terça-feira, 30 de novembro de 2010

RIO DESIGUAL

José Carlos Capinam é um poeta baiano que atravessou gerações de parceiros sem jamais perder o requinte de estabelecer com cada criador de melodias sobre (ou sob) seus sempre afinados versos, uma parceria ímpar. Não sei se o homenageio aqui, mas cito-o com muita alegria neste poema que me nasceu ao ouvir na memória uma canção da América dele. Soy loco por ti, Capinam.

Devo sentir que sem ti sou um sofredor

Devo sonhar que sonhar é substituir a dor

Devo saber que saber é se enganar

Devo dizer que calar é consentir sem se contentar

Devo lutar que não lutar é estar sem luz

Devo amar que não amar é carregar de outro jeito a cruz

Devo sorrir que sem sorrir o rio passa desigual

Devo cantar que sem cantar o verbo é um numeral

Devo querer que por querer faço o festival

Devo erguer que ao erguer passo do passional

Devo dispor que por dispor dispo sem desvestir

Devo compor que ao compor pareço que eu vou parir

Devo servir que servir é vir a ser fã do afã do Capinam

Devo ousar que ousar é ouvir ontem o amanhã

Devo perder que perder é fonte de encontrar

Devo temer que temer, pois, são dois a se admirar

Devo chorar que chorar é uma oração sem ajoelhar

Devo orar que orar melhora minha hora de caminhar

Devo pedir que pedir permite que eu ganhe ou não

Devo doar que doar simplesmente faz bem ao meu coração

Devo descrer que descrer desfaz o toldo azul do céu

Devo rever que rever refaz da noite um dia de véu

Devo passar que passar é o recomeço depois do fim

Devo durar que durar é o futuro de pra onde eu vim

Devo cair que cair é medir a altura mais pura de mim

Devo voar que voar é poder visitar a casa de um querubim

Devo tecer que tecer é entreter com o mesmo teor

Devo rimar que rimar é ser poeta mesmo sem um tear

Devo dever que dever é devolver o vaso ao criador

Devo propor que propor é prorrogar o prazo de entregar


(Dedicado ao baiano Roberto Mendes, atual grande parceiro de Capinam)


(Pedro Ramúcio)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

TERCEIRO ATESTADO DE ÓBITO

Há uns dias soprou-se-me uns versos em intenção de Dali, o poeta das tintas tontas; tantas. Depois de ler "Para um quadro de Dali ou Magritte" do poeta de feiras fartas Assis Freitas, eu prometi a ele (e a mim) que lhe dedicaria o poema que estou pintando em homenagem ao artista catalão. Acontece que as estrofes engarrastanharam, e nem sei quando darei cabo ao rabo de foguete em que me meti: um poema que não quer sair...
Pra aliviar a barra e tentar ganhar tempo para cumprir com minha promessa, trago este poeminha que rabisquei ontem e, por coincidência ou acaso, ou ocasos mais que ocasionais, trata de tema similar à "elegia breve e assustada" com que me deparei há pouco lá no "mil e um poemas" do craque com as palavras Zé de Assis, ou Maradona de Ondina, como o rebatizara outro fera de rara estirpe, nosso amigo Roberto Lima, do "Primeiríssima Pessoa".

Há poemas que são apenas penas de um poeta.
Há outros poemas, porém, que são uma espécie
De ressurreição.


(Dedicado ao poeta de quinhentos mil talheres Assis Freitas)

(Pedro Ramúcio)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ESTUDANDO TOM ZÉ



Tom Zé é um zero à direita,
Seja feita sua multiplicação.

Tom Zé é o terceiro olho nu,
Seja feita nossa desmiopização.

(Dedicado a Décio Pignatari, ao cubo. E à receita federal, claro)

(Pedro Ramúcio)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ADONIRAN

São Paulo, túmulo do samba? Respondo com Adoniran Barbosa. Precisa mais? Oh! Musa desvairada, delirai.

O que eu faço, se me desfaço toda vez que ouço

Gal cantar o “Trem das Onze”?

O que eu arranjo, se me desarranjo cada vez que manjo

Elis mandar “Tiro ao Álvaro”?


Ah! Adoniran João Rubinato Barbosa,

Nunca vi tanta poesia como em sua prosa!


Ou maior prova de carinho

Que fazer uma aliança

Com a corda Mi do cavaquinho!


(Dedicado a Renato Braz e Samuel de Abreu, paulistas da gema)


(Pedro Ramúcio)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"ONZE" ANOS COM E SEM JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Em 9 de outubro de 1999 a poezia brazileira perdeu um de seus mestres mundiais de Literatura, João Cabral de Melo Neto.

Em outubro passado, eu postara aqui no Canto Geral uma singela homenagem a esse pernambucano do mundo, após ler, em artigo do craque Alécio Cunha (que faleceria um mês depois, em decorrência de um AVC, na flor dos seus tenros 40 anos de idade), a pouca repercussão, principalmente no Brasil, dos dez anos da morte do autor de "Morte e Vida Severina".
Hoje reposto o poema com que tento, à minha mineira maneira, reverenciar o grande artista do verso que exercia o fazer poético pelo rigor e pela razão, abolida inspiração.

E eu não poderia deixar de dizer da tristeza que também sinto com a perda do grande artesão da palavra que foi Alécio Cunha (com quem eu estreitava laços via e-mails, torcendo virasse amizade; num, ele me respondeu sobre este mesmo poema, seco feito o poeta de "Uma Faca Só Lâmina": "poema bem elaborado").

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Com suor, essa mão
Espalha o pó e o pólen
Do poema inda virgem:
Zangada inspiração.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa rima no chão,
Rama que não podem
Desbastar das mãos do Homem,
É rio sem contramão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse rio em questão
Sobe na estiagem.
Pro tempo, qual barragem?
Saudade é inundação.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse oceano-sertão
Precisa de drenagem.
Confusa sua paisagem,
Sol e chuva se lavam.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa poça, alçapão.
Líquida hospedagem.
Hóspede sem bagagem:
Só o ladrado de um cão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse poço, prisão.
Lodo por toda margem.
Nódoa na mútua imagem:
Os pixels da ilusão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse fosso, fusão.
Fósforo pós-fuligem.
Fóssil sem data; origem.
Cisterna em combustão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse brejo, vulcão.
Sertanejos que fingem.
Violeiros que tingem
De silêncio a canção.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa gota, erosão.
Água de árida nuvem,
Neve de leve friagem.
Fiado o fio do algodão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.


(Dedicado a Alécio Cunha, in memoriam)

(Pedro Ramúcio)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

POEMA SUGERIDO POR MALLARMÉ

Hoje, o rabiscador de quimeras que vos digita estas mal trançadas linhas não foi almoçar na casa da sogra da musa-esposa. Amanhã, tudo será como antes, noves fora tudo.

Enquanto, no outro quarto, o rapaz da loja de móveis

Monta o guarda-roupa novo que abrigará velhas indumentárias,

Eu penso num poema de Mallarmé.

Será que o rapaz que monta o velho guarda-roupa

Já pensou num poema de Mallarmé, ou não?

"Daqui a pouco chega a musa-esposa,

Dona do guarda-móveis em meu peito,"

Ela que sonhava com um guarda-roupa novinho

Ficará feliz de saber que a loja de móveis usados

(As lojas só vendem móveis usados; novos, só a fábrica)

Já mandara o montador de móveis que agora, no outro quarto,

Brinca de quebra-cabeça, juntando as peças numeradas

Que formarão um velho móvel chamado guarda-roupa,

Enquanto eu lembro dum poema de Stéphane Mallarmé.


Enquanto eu nem sei se o rapaz que monta o guarda-roupa

No outro quarto, ele que acaba de virar poema,

Num quebra-cabeça feito de palavras que eu brinquei de montar,

Já pensou, algum dia, nalgum verso de Mallarmé.


(Pedro Ramúcio/AL-Chaer)

domingo, 12 de setembro de 2010

SÍMPLICE POEMA PARA O CANTO ELEGANTE DE MARGARETH MENEZES

Por esses remunerados dias recebi via e-mail umas cantigas causadoras de fagulhas e lágrimas, estas que nos lavam a alma e aquelas que percorrem espinhas dorsais. Tudo, obra e carinho do cronista de poemas sempre lindos, ele, não por acaso e jamais por qualquer ocaso ocasional, fã do afã do poeta das crônicas mais lindas, Rubem Braga.
Quem me enviou as cantigas é o escritor e jornalista mineiro Roberto Lima, editor do jornal Brazilian Voice in EUA. Também responde pelos blogues Primeira Pessoa e Olho Lírico, além de colaborar às quintas-feiras no Tertúlia Pão de Queijo, blogue coletivo que me dá água na boca (vou burilando minhas estrofes esquizofrênicas, meus mini
poemas). Dentre as cantigas enviadas, algumas do ex-Trovante Luis Represas, artista português que acaba de inaugurar linda parceria com a baiana-luz Margareth Menezes, pra quem eu tenho a honra de trançar este símplice poeminha:

Quando Margareth Menezes
Abre a torneira, vaza uma cachoeira (de luz)
De sua imensa garganta
Então ela entorna uma tonelada
Do seu canto tanto
Sobre nossas perenes cabeças
É que em si ela guarda Represas, Luis
É que em sol ela encerra o Recôncavo, Roberto

(Pedro Ramúcio)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

VELHO CORAÇÃO DE POETA

Vez por outra ouço aqui e acolá que o bardo baiano, o grande Caetano Veloso, não é mais o mesmo. Num domingo desses, por exemplo, o Fagner disse no programa "Conexão Roberto D'Ávila", pela TV Brasil, que o pai da Tropicália hoje escreve pouco e fala muito...
Será que o Sr. Caetano Emanuel Vianna Telles Veloso é bananeira que já deu cachos (e que cachos!)?
Será que 'menopausa' - menor pausa - dá em poetas?
Da minha parte tenho também Tanta Saudade de Chico Buarque!

Eu não posso mais certas rimas
Fui poeta mil anos atrás
Agora canto torto, saudade ensina
A glória é uma camisa-de-força

Por força do hábito inda sonho
Estrelas caídas no chão
Hora vivo o verso de ontem
Hoje acordo sem acordes na mão

Sou poeta por que fui poeta?
Página pede pela nova canção

Vou poeta porque fui poeta
Ainda é de trovas meu coração!

(Pedro Ramúcio)

domingo, 15 de agosto de 2010

GIRASSÓIS

































Por dizer de Picasso (e Pessoa tão presente em mim desde sempre) em resposta ao comentário da Dra. Vanessa Souza Moraes do "Meu divã é na cozinha" - blogue de rara lucidez - que me visitou na postagem última dedicada a Rodin
, lembrou-me estes versos que o poeta e compositor Samuel de Abreu in Sampa musicou com muito talento e competência (duas versões disponíveis no youtube).

Preciso a primeira página
Preciso Picasso, Pessoa e girassol
Preciso a virgem vermelha lágrima
Preciso o peixe, a pedra e o anzol.

Preciso a terceira margem
Preciso coragem, comida e girassol
Preciso viajar a última viagem
Preciso poesia, música e futebol.

Preciso a pílula e o elefante
Preciso a coruja, a noite e o girassol
Preciso amores eternos e diamantes
Passar a tarde inteira em teu lençol.

Preciso o cacto e a primavera
Preciso o vento, o vinho e o girassol
Preciso o pêssego, a morena e a quimera
Preciso a pétala íntima, manhã com sol.

(Dedicado ao professor, poeta e engenheiro AL-Chaer de Goiânia)

(Pedro Ramúcio)

domingo, 8 de agosto de 2010

ATELIER

Outro poeminha de mesma safra e colheita das metáforas anteriores.

Rodin esteve aqui
Não há braços nem pernas
Para se compor o poema
Apenas a meditação de uma lágrima
Caindo
Paralisada no ar

Ah! Rodin
Mais que o mármore
Esculpiste a alma

(Pedro Ramúcio)

domingo, 18 de julho de 2010

METÁFORAS DESAFORADAS

Olá, pessoal da pesada e da minha mais prezada apreciação. Estive - tive que estar - ausente do blogue por alguns intermináveis dias: uma cirurgia urgente que eu deveria ter realizado há uns dez anos, mas só no último 30 de junho criei asa e coragem para enfrentar o fio da navalha. Oxalá, correu tudo bem. Agora, minhas hemorreimas não são mais desculpas esfarrapadas (pimenta no dos outros é refresco, né!) para eu não trabalhar - ah! como dói -, não postar minhas 'maus' trançadas rimas, não viajar pela aí em busca de tertúlias fulgurantes, não ir mais vezes a Santo Amaro da Purificação - Vila do meu Feitiço -, não cumprir alguns compromissos tão simples e corriqueiros, nem outros pequenos poréns para além da minha mínima capacidade de persuasão poética...
Dos primeiros dias de recuperação, os mais 'inspira-dores', ofereço-lhes estes versos trazidos ao lume num dos momentos de grande gozo em que eu pude, literalmente, ver, ouvir e tocar estrelas na íntima Via Láctea que se tornou o banheiro por ocasião das minhas mais profundas meditações, se é que me entendem (rs)...

A dor é um orgasmo que não suportamos,
Espasmo da alma obtendo abster-se do corpo.
O prazer é um grito de quem está morto.
Morte? A melhor moradia que habitamos!

Alegria, alguma ilha ao Sul donde estamos.
Loucura seria achar a bússola e o barco
E volver a travessia fatal de um parto...
Porto seguro é a nuvem de que despencamos.

Pecado é o fruto maduro que não ofertamos!
Epicuro vertendo suas vestes aos céus,
Felicidade é a cidade dos tabaréus!

Aos sábios lhes baste a arte de serem bons!
Aos tolos lhes dêem outra tábua de dons!
Enquanto isso reinamos, remamos, teimamos...

(Dedicado a Frida Kahlo, quadros e esquadros em que me banho:
lagos lá em Nina Rizzi ou Adriana Calcanhoto)

(Pedro Ramúcio)

sábado, 26 de junho de 2010

DESRENATO BRAZ

Há artistas que são divisores de água, que partem o tempo ao meio, que estabelecem novas fronteiras (de paz!), que movem moinhos futuros, que descontroem muros de concreto mas erguem pontes imaginárias de luz (verdadeiros arcos-de-triunfo da humanidade), que são antenas da raça. Com sua religiosidade pacífica, pregando a não-violência, Gandhi foi um desses artistas. Com seu claro canto iluminador, Renato Braz pertence à espécie.

Quem faz assim com a voz

Põe é tudo ao contrário

O poeta salvo no calvário

O rio vai nascer na foz


Quem canta assim des’jeito

Põe é tudo arrevirado

O amor sem um pecado

O humano sem defeito


Quem lança um canto assim

Põe é tudo ponta-cabeça

O imponderável aconteça

O impossível tenha fim


Quem desfia assim uma canção

Põe é tudo detrás pra frente

O antigo de moda novamente

O moderno em liquidação


Quem traz assim o sol em si

Põe é tudo fora do trilho

O poente reluzente brilho

O breu se oriente aqui


(Dedicado ao músico valadarense Marcelo Novaes,
quem primeiro me disse de Renato Braz;
ao percussionista biquense Zé Bré, com quem simpatizei
à primeira vista: ele num programa do Boldrin,
eu em casa 'dando milho aos pombos';
ao poeta Roberto Lima, pra que a lista fique infinita...)

(Pedro Ramúcio)

sábado, 19 de junho de 2010

PONTO E VÍRGULA

Sabe aquelas vezes que você escreve em puro estado de febre, e, vãs, as palavras vão brotando involuntárias de suas mãos ávidas por descansar do dédalo que habita o teclado do computador? Estes estranhos e aninhados versos nasceram-me assim, baixados do céu ou levantados do chão, não sei ao certo, só sei que essa febre quando passa dá de novo...

Quanto tempo casto gasto pra fazer o verso

Que só faço quando lasso enlaço a lua?

Quantas rimas primas principio do precipício

Mas antes do fio o poema já chegou ao fim?

Quantos rostos toscos ponho face a face

Com o espelho do Evangelho e nasce um beijo?

Quantas palavras gastas no cio e no silêncio

Mas quando balbucio crio uma orgia de almas?

Quantas histórias desbotadas pela tinta da memória

Repinto num pedaço de papel de mim poeta?

Quantos músculos exaustos gesticulo e pulo

Por cima do mais alto muro que não cerca a poesia?

Quantos livros em branco arranco as páginas

E preencho com romances dignos de Dostoiévski?

Quantos títulos vitalícios invento sem intento

De me tornar autor de clássicos de qualquer espécie?

Quantas estrofes esquizofrênicas saltam dos meus dedos

Longos longe de eu ser uma Cecília Meireles?

Quantos cantos eternos, efêmeros ou meros

Alexandrinos miro sem a mira de um Dante ou Homero?

Quantos decassílabos esmiúço amiúde e jamais

Pude comparar-me um centímetro com Vitor Hugo?

Quantos heterônimos reais recriei ao meu redor

Fingindo para mim mesmo que eu paria Pessoas?

Paro aqui estas interrogações quase infinitas

E aborto o poema, ou repontuo-o de vãs exclamativas?


Quem me dera agora eu tivesse uma viola pra cantar!


(Dedicado a José Saramago,

que nos deixou dia 18 de junho último)


(Pedro Ramúcio)

sábado, 12 de junho de 2010

JANELA À LUA


Este pobre rabiscador de quimeras rende-se hoje no dia dos namorados todos os dias à sua musa-esposa-poeta-cantora numa cúmplice homenagem de amor e paixão.

Entre teu corpo e o meu
Foi posto o amor
Nenhum dos dois enlouqueceu
Ante o ciúme enlouquecedor...

Entre tua palma e a minha
Foi posta a paixão
Uma tão grande e a outra pequenininha
Nenhuma menor que o maior coração...

Entre teu beijo e o nosso
Foi posto o desejo
Viver de amor meu amor é tudo o que posso
Ancorar-me em teu corpo, único porto que vejo...

Entre nosso abraço e a lua
Foi posta a madrugada
Desço teu ventre e encontro, destrancada e nua
A janela da mulher que já é minha eterna namorada...

(Ramúcio Pedro)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

FUTEGRAFIA













Em dias de Copa do Mundo, já que o mundo todo estará ligado no evento, posto aqui um sonetinho terçando sobre o esporte das multidões.

Gol é música muda, melodia
Que vemos da arquibancada, encantados.
Futebol! Épico de alva grafia,
Com rimas lidas nos passes trançados.

Posso ouvir, com olhos esverdeados
Que tenho, o que adia minha miopia:
Bola, a que o jogador, pelos gramados,
Firula entre os pés, tecer cantoria.

Ah! Dá na gente vontade de dançar
Quando se lembra dos gols do Pelé
E daqueles que ele marcou ao errar.

Cada drible do Garrincha eu sei que é
Um acorde de canção a ressoar
Em nosso ouvido colado em seu pé.


(Dedicado a Nelson Rodrigues, que via futebol
com os olhos da imaginação)


(Pedro Ramúcio)

sábado, 29 de maio de 2010

PASÁRGADA PERDIDA

Cismo que em algum lugar -
Nada se parece mais com um paraíso -
Existe uma Pasárgada perdida
Dando Bandeira pra mim.

(Dedicado a Nina Rizzi)

(Pedro Ramúcio)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

"DRUMMOND(NIANAS)"













A deferência é uma das maiores formas de reverência, e vice-versa. Vide os versos do talentosíssimo poeta Assis Freitas, que transponho, feito um rio, leito de um São Francisco caudaloso de lirismo e redemoinhos poéticos (perigoso então ficar só nas margens da poesia, e isso lembra canção de Roberto Mendes, outro baiano genial: há que naufragar nessas águas do tempo, para assim se lavar melhor), vide os versos abaixo que deságuam lá do "mil e um poemas" aqui no Canto Geral. Banhem-se, amigos! Fartem-se com esse raro percurso pela obra oblíqua e reta de Drummond, desde Itabira até Feira de Santana:

I

o amor bate na aorta:

então é preciso sangrar


II

tenho leite e jornais

todos os dias

e alguma poesia


III

as cidades e os moinhos

ficam no meio do caminho


IV

não há idade madura

as palavras apodrecem

se não forem gastas


V

consigo rimar outono

com a pedra que sonho

com sono, não


VI

já nasci gauche

o anjo torto

não era pervertido


VII

preso as minhas roupas

e alguma classe

fico cinzento e sem pátria


VIII

sejamos pornográficos

o mundo não é vasto

o mundo parece doce

como soda, raimundo


IX

queria ter nascido

em Andradina

seria uma forma

fina de rima


X

não chores meu filho

ainda há versos que

não foram escritos


(Assis Freitas)

domingo, 25 de abril de 2010

POEMA nu BLOGUE




















"Este é o poema no blogue
por onde o poeta escuta
se dele falam mal
ou se o amam.
Um poema no blogue
sequioso de comentários?
São nenhum livro velho
e mais nem um livro novo
de um poeta inda mais louco
que a morte que sonhou
e contudo o provoca
a morrer nunca e sempre.
Tantos livros que a vida
empurrou para longe
de mim
mais um poema no blogue
em que o poeta se contempla
e se diz bom-dia
(ensaio de boa-tarde,
variante de boa-noite,
que tudo é a vasta noite
em seus compartimentos
nem sempre respiráveis
e todos habitados
enfim.)
Não me leias se buscas
flamante novidade
ou sopro do Pessoa.
Aquilo que escondo
e o mais que segue explícito
em negros alçapões
são notícias humanas,
simples estar-no-mundo
de um heterônimo-órfão,
um não-estar-estando,
mas de tal jeito urdidos
o roubo e a confissão
que nem distingo eu mesmo
o sentido e o solapado.
Tudo roubado? Nada.
Nada sentido? Tudo.
O blogue pouco cuida
de direitos autorais:
e a paródia mais rica
é um sinal de mais."

(Pedro Ramúcio sobre o Poema-Orelha de CDA)

domingo, 18 de abril de 2010

"PONTARIA"
























É com imensa, mais que imensa alegria, que posto aqui no Canto Geral um texto de Líria Porto, artista que eu venho descobrindo com o atraso de cem anos-luz de solidão, mas agora vou em busca do tempo perdido e do cheiro de Deus que habita esta poeta, artesã que me surpreende a cada poema dotado de leveza, graça e a fina ironia dos grandes pensadores, além do hábil traquejo com a palavra escrita, que lhe escorre da alma, percorre-lhe a palma e amalgama-se no papel sempre num tiro certeiro: verso que conversa com quem o lê, língua afiada e olho no olho. Que mais posso dizer de? Que mais? Que?
Dela, eu (es)colhi, posto que esse pequeno quintal da blogosfera destina-se a homenagear grandes artistas que comoveram o mundo (ou sua aldeia, o que dá no mesmo), hoje eu semeei no Canto Geral, trazido de 'tanto mar', um tantinho de palavras em intenção de um certo Bituca, mais conhecido como Mister Milton Nascimento. Um tantinho de palavras semeadas, mas que dão a dimensão do alcance e da 'pontaria' de Líria Porto: de Araguari para BH para Miami para Brasília para o mundo...

milton minério
nascimento pássaro
caçador de min(as)

(Líria Porto)

domingo, 11 de abril de 2010

HELOO, PAUL McCARTNEY





























Há alguns anos, ouvi pelo rádio, quando as Rádios brasileiras ainda tocavam os autênticos músicos brasileiros, a canção "Hello, Goodbye", dos Beatles, na voz do mineiro Milton Nascimento. E, paradoxalmente, aquela interpretação do Milton para uma canção estrangeira suscitou, em mim, imenso sentimento de brasilidade - sem falso ufanismo -, por saber que um artista nacional era capaz de impor sua marca única e pessoal ao registrar, de forma emocionada e comovedora, um grande sucesso mundial numa língua que não é a de seu povo, porém, ali tão bem representado em arte e engenho. Desde então, eu fiquei imaginando qual seria a reação do Paul McCartney quando ouvisse todo o talento do nosso Bituca (sem falso ufanismo ou xenofobia de qualquer espécie), mas fiquei delirando poder ver a cara do Paul ao ouvir sua obra ganhando tal manobra vocal.

Eu só queria ver a cara do Paul McCartney quando ouvisse

Cantando “Hello, Goodbye” o Milton Nascimento


Eu só queria, de repente, ver a cara dele quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “San Vicente”


Eu só queria, sábio sabiá, ver a cara dele quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “O Que será”


Eu só queria ver a cara do Paul McCartney quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “Travessia”


Eu só queria, por um triz, ver a cara dele quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “Beatriz”


Eu só queria, tão natural, ver a cara dele quando ouvisse

O Bituca cantando “Brasil, Nome de Vegetal”


Eu só queria ver a cara do Paul McCartney quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “Maria, Maria”


Eu só queria, por mil razões, ver a cara dele quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “Certas Canções”


Eu só queria, para emoldurar, ver a cara dele quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “Conversando no Bar”


Eu só queria ver a cara do Paul McCartney quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “Balé da Utopia”


Eu só queria, quem lhe dera, ver a cara dele quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “O Cio da Terra”


Eu só queria, morena menina, ver a cara dele quando ouvisse

Mister Milton Nascimento cantando “Clube da Esquina”


Eu só queria ver a cara do ex-beato Paul quando ouvisse

Cantando “Para Lennon e McCartney” Sir Milton Nascimento


(Pedro Ramúcio)

domingo, 4 de abril de 2010

UM PIANO PARA JOHN LENNON


Sempre logrei escrever algo para John Lennon

Sempre imaginei que ele fosse ouvir e gostar

De saber que um poeta qualquer dos trópicos

Do Sul

Sempre sonhou em fazê-lo música mineira

Sempre escutei Lennon na música mineira

Nas oitavas acima do Milton e nos acordes do Lô

No piano de Wagner Tiso e nas melodias do Beto Guedes

Nas cordas de Celso Adolfo e nos vôos mágicos do 14 Bis

Na mista récita do Aggeu Marques e nos falsetes de Venturini

Na guitarra de Toninho Horta e nas letras vibrantes de Brant

Nos versos que li do Vander Lee e no canto com que me espanto

Do Tadeu

Franco


Então comprei um piano, aluguei uma guitarra

Rabisquei umas rimas, imitei uns pássaros

Desaposentei meus óculos de trezentos graus

Meus óculos “redondos” de duzentos graus

Meus óculos antigos a verem navios e naus

Subi os degraus de nuvens nos fundos do quintal

De casa

(Ainda há um quintal nos fundos de casa)

E fui compondo este poeminha para minha

Homenagem a Lennon, eu e minhas mãos trêmulas

(Êmulas de si mesmas), para John Lennon

Eu e minhas pernas bambas, para John Lennon

Eu e meus pés descalços, para John Lennon

Eu e minhas asas partidas, para John Lennon

Eu e meus ouvidos ávidos, para John Lennon


Para John Lennon, minha roupa rasgada

Desvestindo a pele e as epidermes da alma

Para John Lennon, meu corpo marcado

No rosto, na sola, na palma e no sangue

Para John Lennon, meus olhos verdes

Ainda que maduros pelas noites em claro

Templos de solidão e lições de sobrevivência


John Lennon não sobreviveu ao tiro

À queima-roupa

John Lennon não ressuscitou à bala

De chumbo

John Lennon não soube morrer

De velhice


Mas John Lennon ainda está vivo

Nas canções

John Lennon renasce a cada solo

De guitarra

John Lennon ressurge em cada nota

De piano

Jonh Lennon revive em cada verso

Da juventude

Jonh Lennon comemora-se a cada

8 de dezembro


John Lennon mais que uma vela acesa

Tornou-se estrela no grande céu imaginário

Da minha constelação de diamantes


Ouça, John Lennon, o poeminha que lhe fiz

Com minhas mãos no piano mudo do teclado

Do computador

Onde guitarras solam “Imagine”

Onde cítaras citam “Imagine”

Onde banjos esbanjam “Imagine”


Ouça, John Lennon, meu coração batendo

Palmas em Dó Maior


(Pedro Ramúcio)