terça-feira, 30 de novembro de 2010

RIO DESIGUAL

José Carlos Capinam é um poeta baiano que atravessou gerações de parceiros sem jamais perder o requinte de estabelecer com cada criador de melodias sobre (ou sob) seus sempre afinados versos, uma parceria ímpar. Não sei se o homenageio aqui, mas cito-o com muita alegria neste poema que me nasceu ao ouvir na memória uma canção da América dele. Soy loco por ti, Capinam.

Devo sentir que sem ti sou um sofredor

Devo sonhar que sonhar é substituir a dor

Devo saber que saber é se enganar

Devo dizer que calar é consentir sem se contentar

Devo lutar que não lutar é estar sem luz

Devo amar que não amar é carregar de outro jeito a cruz

Devo sorrir que sem sorrir o rio passa desigual

Devo cantar que sem cantar o verbo é um numeral

Devo querer que por querer faço o festival

Devo erguer que ao erguer passo do passional

Devo dispor que por dispor dispo sem desvestir

Devo compor que ao compor pareço que eu vou parir

Devo servir que servir é vir a ser fã do afã do Capinam

Devo ousar que ousar é ouvir ontem o amanhã

Devo perder que perder é fonte de encontrar

Devo temer que temer, pois, são dois a se admirar

Devo chorar que chorar é uma oração sem ajoelhar

Devo orar que orar melhora minha hora de caminhar

Devo pedir que pedir permite que eu ganhe ou não

Devo doar que doar simplesmente faz bem ao meu coração

Devo descrer que descrer desfaz o toldo azul do céu

Devo rever que rever refaz da noite um dia de véu

Devo passar que passar é o recomeço depois do fim

Devo durar que durar é o futuro de pra onde eu vim

Devo cair que cair é medir a altura mais pura de mim

Devo voar que voar é poder visitar a casa de um querubim

Devo tecer que tecer é entreter com o mesmo teor

Devo rimar que rimar é ser poeta mesmo sem um tear

Devo dever que dever é devolver o vaso ao criador

Devo propor que propor é prorrogar o prazo de entregar


(Dedicado ao baiano Roberto Mendes, atual grande parceiro de Capinam)


(Pedro Ramúcio)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

TERCEIRO ATESTADO DE ÓBITO

Há uns dias soprou-se-me uns versos em intenção de Dali, o poeta das tintas tontas; tantas. Depois de ler "Para um quadro de Dali ou Magritte" do poeta de feiras fartas Assis Freitas, eu prometi a ele (e a mim) que lhe dedicaria o poema que estou pintando em homenagem ao artista catalão. Acontece que as estrofes engarrastanharam, e nem sei quando darei cabo ao rabo de foguete em que me meti: um poema que não quer sair...
Pra aliviar a barra e tentar ganhar tempo para cumprir com minha promessa, trago este poeminha que rabisquei ontem e, por coincidência ou acaso, ou ocasos mais que ocasionais, trata de tema similar à "elegia breve e assustada" com que me deparei há pouco lá no "mil e um poemas" do craque com as palavras Zé de Assis, ou Maradona de Ondina, como o rebatizara outro fera de rara estirpe, nosso amigo Roberto Lima, do "Primeiríssima Pessoa".

Há poemas que são apenas penas de um poeta.
Há outros poemas, porém, que são uma espécie
De ressurreição.


(Dedicado ao poeta de quinhentos mil talheres Assis Freitas)

(Pedro Ramúcio)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ESTUDANDO TOM ZÉ



Tom Zé é um zero à direita,
Seja feita sua multiplicação.

Tom Zé é o terceiro olho nu,
Seja feita nossa desmiopização.

(Dedicado a Décio Pignatari, ao cubo. E à receita federal, claro)

(Pedro Ramúcio)