quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

SER OU NÃO SHAKESPEARE

Ler Shakespeare sempre foi pra mim tarefa alevantadora e massacrante ao mesmo tempo, pois, que se me deparo com o inalcançável escritor assentado no seu cume de Mestre. Shakespeare é o topo do topo ( ou o top dos tops, usando uma linguagem que certamente seria assimilada por ele, que era exímio trocadilhista, dentre outras virtudes só suas) como dramaturgo. Depois dele não há aonde mais ir, e isso, para leitores aspirantes a grandes artistas - eis outro drama dentro do drama, e o trava-língua é proposital -, beira à frustração, às vezes. Tentei resolver essa equação me valendo de outro gênio das letras, meu mestre Fernando Pessoa:

Ler Shakespeare é preciso.
Ser Shakespeare não é preciso...

(Pedro Ramúcio)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

PARA ESTREITAR LAÇOS

Um dia liguei para Ednardo e perguntei como iam as coisas, por que ele estava sumido de Minas, se ele topava fazer um show em Valadares? Ele disse que estava fazendo alguns shows com Belchior e Amelinha, os três juntos em turnê, que gostaria de cantar aqui, sim, de preferência com os outros dois cearenses citados, mas poderia vir sozinho (voz e violão) ou com banda, se eu ajeitava esse evento, e outros pontos que não me lembram mais. O show não aconteceu, não era minha praia, nem aqui ou no Ceará. Contei pra ele que eu escrevia umas coisas diferentes, ou seja, o papo foi ficando meio chato. Pra ele não desligar logo, revelei também que eu conhecia seu trabalho desde Cauim, Berro, O Azul e O Encarnado, Ímã, Rubi, Libertree, O Pessoal do Ceará, Projeto Massafeira, praticamente seu repertótio e trajetória inteiros. Ele foi ouvindo com mais atenção e aproveitei pra mandar a bomba, ou melhor, as bombas: a primeira, se tinha como ele liberar a canção "Passeio Público" para um intérprete de muito talento chamado Samuel de Abreu incluir em seu primeiro CD, que seria gravado em breve; a segunda, se ele poderia fazer chegar até as mãos do Fagner um soneto que eu tinha feito pra ele e já há algum tempo vinha tentando mostrar-lhe. A canção, ele explicou que não dependia dele simplesmente, mas teria que passar pela liberação da Editora também. O soneto, ele pediu desculpa mas não estava tendo contato com o antigo parceiro. Pra encerrar a ligação, sem deixar de ser gentil um segundo sequer, ele me passou seu endereço de e-mail para que assim pudéssemos estreitar laços. Eu perdi onde anotei o e-mail e fiquei sem jeito de ligar de novo pra pedir a ele. Mas a expressão "estreitar laços" ficou na minha mente e deu neste poema:

Para estreitar laços, ofereço-te
Eu mesmo quem faço
Estes versos quisera lindos
Feito o litoral do Ceará
Ou as montanhas de Minas
Que o poeta novo dará
Daria-te as milhores rimas
Eu mesmo quem risco
Quem ouvir, se encantará
Se tu as cantares
Com tua voz de pássaro
Tua beleza de mulher
Luz de Homem que Luzia
Das cordilheiras ao mar
No teu assovio, alvíssaras
Minha alforria, meu alvará
Canção à Liberdade
Liberta que também serás
Jackson do Pandeiro
Cinema de Ednardo
Poema de Drummond
Iracema de Alencar

(Pedro Ramúcio)

sábado, 26 de dezembro de 2009

ÚLTIMO CAPÍTULO

Dedicado ao Cazuza, grande poeta da música brasileira, no momento mais delicado de sua vida: quando ele assumiu pública e corajosamente sua doença, que na época deixava pouca esperança de sobrevida a seus portadores, além de todo o preconceito acerca de um mal sem tratamento eficaz. Poema escrito pouco antes de sua morte, portanto não-póstumo, posto que todos teremos um túmulo, de lápide fria ou quente: saibamos merecer.

Eu vou comprar um disco do Cazuza
Pra eu ler quando entrar a madrugada.
Quero aprender à custa dele
A lira que há nas pedras,
A alma que há nos bichos,
A procura pra cura da loucura
Que nasce na planta do pé
(Mas, aí já é outro poeta).

Sei que o fim da vida pode estar perto.
Mas todo fim é uma forma de chegada,
Toda forma de amor que houver será válida.
Eu amo tanto que nem sobra tempo pra mim
Do que em mim é sala, senzala ou solidão.

Eu vou compor um pequeno e cúmplice poema
Pro Cazuza escutar quando entrar a madrugada.
Eu, que nesta vida suicida somos usados
Nas experiências excêntricas de Deus,
Curvo-me diante do muro da morte
E agradeço cego por enxergar a luz.

(Pedro Ramúcio)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

RIO DE OUTUBRO

A partir de hoje este blog ganha sobrenome: passa a se chamar CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos), posto que agora inauguro este canto em homenagem a um dos maiores cantos da América Latina, voz que se quedou dois meses atrás mas jamais se silenciará em nossos corações e mentes.

Meu coração (de poeta)
Amanheceu de luto
Turvo o dia, sofro o gosto
Rubro da saudade
Há nuvens em minha alma
Um rio de outubro percorre
Desde julho até setembro
Dela e meu aniversário
Nove e nove desses meses
Precisa a dela, vizinha a minha
Datas históricas de nossas pátrias
(Liberdade ainda que algum dia)
Datas histéricas de nossos frátrias
(Liberdade ainda que algum dia)
Um rio de outubro percorre
Sombrio, pela amarga perda
Bravio, pela doce herança
Esse rio sem foz e sem nascente
Posto que corre dentro da gente
A mim me lava bem no centro
Onde eu não me aguento fraco
E desempoeirado monumento
Ergo versos que só ergo assim
A quem nadou dentro de mim
E para todo o eterno nade e nada
Bem no centro onde melhor me lava
Mercedes Sosa mergulha nessa água
Esse rio de outubro em que me banho
Por dentro do mais vivo calendário
Dia quatro calou-se o canto libertário
Mas liberta esteja toda a América Latina
(Cuba, Honduras, Brasil e Argentina...)
Cada vez que ouça a força dessa imensa voz
Cada vez que cante por nós Mercedes Sosa
Eternamente cante por nós Mercedes Sosa
Gracias! Gracias! Gracias! Gracias!

A Raimundo Fagner e Milton Nascimento

(Pedro Ramúcio)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

REBUARQUE

Em 1994, eu escrevi este poema para o cinquentenário do maior compositor da música popular brasileira. Eu contava 23 primaveras e o poema foi publicado no jornal "O Contraditório" da Fadivale, faculdade de direito que eu abandonei de fato faltando um ano para ser bacharel. Logo a seguir ingressei no curso de Comunicação Social ( para fazer jornalismo & publicidade), mas para meu antimarketing, também não concluí graduação. Vamos ao poema então, que um poeta precisa ter mãos pálidas para não morrer de fome:

Ninguém sabe ser Chico Buarque
Porque para ser Chico Buarque
É preciso saber não ser.
Nem mesmo Buarque é.

Buarque é mulher? Não é.
Buarque é Noel? Não é.
Buarque é carioca? Não é.
Buarque é PARATODOS? Não é.
Buarque é tudo ainda mais,
Toda poesia que se for capaz.

Buarque é paralelo de um deus
Que um dia quis ser dois.
Buarque é rima que se ri
Admirada da própria graça.
Buarque é música pra alma,
Quando a alma é visitada.

Buarque é melhor não perguntar
Se é de carne e osso e vai virar pó.
Sua composição (tudo o que ele compõe)
É matéria para outra transformação.
Sua construção (tudo o que ele constrói)
É espécie de outra inspiração.

Buarque é cedo para afirmar
Mas no fim do mundo ele vai estar lá
Com seus mesmos olhos azuis,
E outro mundo vai recomeçar.
Com seus versos sendo a manhã,
Uma manhã eterna para durar.

Buarque nunca vai passar
Buarque nunca vai
Buarque nunca
Buarque ou
Rebuar
Que.

Ao meu poeta Anísio Costa

(Pedro Ramúcio)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O VERTICAL ALÉCIO

Homenagem ao artesão das palavras, amante das artes, poeta e jornalista mineiro Alécio Cunha, com quem eu estava estreitando laços, por e-mail, torcendo muito virasse amizade. Não deu tempo... enfim ficará sempre a lembrança.

Então o poeta não estará mais presente?
Eternamente esteve. Esteve: do verbo estará.
Eu não fui amigo dele, sequer o conheci.
Sequer trocamos um aperto de mãos, de olhares.
Mas cuido que ele era para sempre meu amigo:
Escrevi poemas só para a resenha dele.
Agora livre posso rasgá-los, menos este.
Este eu escrevo para a resenha nele,
Para o bate-papo de dois amigos desconhecidos,
Desconversando sobre poesia e escultura,
Desescrevendo sobre arte e arquitetura,
Despalavrando sobre pura pilhéria e risos puros,
Em fim de tarde, num bar da capital mineira.

Eu que aprendi nos livros a inventar histórias,
Agora invento esta verdade verdadeira e vã:
Éramos amigos de infância, Alécio e eu.
Estudamos e nos formamos no mesmo colégio.
Fomos pra faculdade juntos juntar nossas letras:
Líricas entorpecidas, lúdicas nostalgias do futuro.
Lacunas preenchidas com um bom Rimbaud,
Tristezas passageiras num verso de Drummond.
Agora fiquei órfão obliteralmente de sua poesia,
Estou desterrado de suas matérias e crônicas,
Límpidas de pensamento, claras de ideais.
Quais os rumos que o jornalismo tomará,
Sem sua serenidade severa, para não destoar
De tudo o que ele escreveu em nome da beleza?
Com que prazer eu abria diariamente o Hojemdia,
Para esmiuçar seus escritos, para dissecar sua dor,
Exposta propositadamente em forma de liturgia.
Eu sofria (e sofro) o gozo ziguezagueante
De suas rimas escondidas dentro de cada linha
Que ele costurava sem agulha nem barbante,
De cada metáfora embrulhada nas notícias,
Nas manchetes que ele musicava de silêncio e sol.

Os jornais trarão a vaga notícia de sua morte.
Eu, de antemão, reparo todos os redatores:
Sua morte não seria um acontecimento publicável.
Porque acontece que Alécio Cunha ficou eterno.
Perenemente presente em tudo o que armou de belo.

Triste mas feliz, assino este poema inacabado:
Pois que só acaba o que não produziu segredos.

(Pedro Ramúcio)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

DEZ ANOS COM E SEM JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Citada uma declaração de João Cabral numa postagem anterior, lembro este poema que comecei quando o grande bardo pernambucano partira da lida vertical. Em outubro de 1999 eu apenas escrevi a primeira estrofezinha e a guardei numa gaveta. Agora lendo o grande jornalista mineiro Alécio Cunha citar em seu magnífico blog Ler, Reler, Viver... que a data de dez anos sem Cabral estaria passando sem as merecidas homenagens, principalmente no Brasil, resolvi dar cabo à empreitada empreendida lá atrás. Avante, então:

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Com suor, essa mão
Espalha o pó e o pólen
Do poema inda virgem:
Zangada inspiração.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa rima no chão,
Rama que não podem
Desbastar das mãos do Homem,
É um rio sem contramão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse rio em questão
Sobe na estiagem.
Pro tempo, qual barragem?
Saudade é inundação.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse oceano-sertão
Precisa de drenagem.
Confusa sua paisagem,
Sol e chuva se lavam.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa poça, alçapão.
Líquida hospedagem.
Hóspede sem plumagem:
Só o ladrado de um cão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse poço, prisão.
Lodo por toda margem.
Nódoa na mútua imagem:
Os pixels da ilusão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse fosso, fusão.
Fósforo pós-fuligem.
Fóssil sem data; origem.
Cisterna em combustão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse brejo, vulcão.
Sertanejos que fingem.
Violeiros que tingem
De silêncio a canção.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa gota, erosão.
Água de árida nuvem,
Neve de leve friagem.
Fiado o fio do algodão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

(Pedro Ramúcio)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

INFERNIZANDO ROBERTO MENDES

E por falar em Roberto Mendes, qual poeta não desejaria ser parceiro desse gênio da música? Qual palavra não se extasiaria ao ser cantada e/ou declamada por esse moço de voz que agasalha? Qual acorde não fará haver mais harmonia, ao ser dedilhado no braço mágico do violão desse rapaz? Em silên-cio, meus versos gritam por mim:

Composições com posições que só você põe
No braço mágico do seu elástico violão,
Melodias ao meio-dia da imaginação
Que só você cria pensando com o coração.

Você bem que podia de vez em quando,
Quando a tarde traz sua tez já fria,
Vestir meu verso com sua música multidor -
Perfeita roupa pra enfeitar minha poesia.

Você bem que podia ao menos uma vez,
Quando a noite fria faz fogo de palha na Bahia,
Vestir meu verso com sua voz que agasalha -
Perfeita malha pra aquecer minha poesia.

Composições com posições que só você põe
No braço elástico do seu plástico violão,
Melodias ao meio-dia da imaginação
Que só você cria pensando com o coração.

Roberto, meu irmão, você bem sabe que viramos parceiros à primeira vista.
E não seria preciso assinarmos juntos uma canção para tal finalidade,
afinal nossa amizade parece mesmo música pronta sem ninguém compor.

(Pedro Ramúcio)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

AMARES QUE VÊM PRA BEM












Um dia voltei de um passeio à Bahia (você nunca foi à Bahia? Então, vá!), mais precisamente Santo Amaro de Roberto Mendes, e trouxe incubado em mim este poema:

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra
Amar

Amar a Sagrada Escritura de Guimarães Rosa
Amar o verso de Machado
e de Bilac, a prosa

Amar a rima íntima de Jorge Portugal
Lágrima que derramo sem sal
Tiro com que me firo e viro imortal

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra
Amar

Amar cada pessoa do Pessoa
(Toda a gentil epifania de Bethânia)
Que ressoa uma religião tão boa em mim

Amar de toda maneira o mineiro Drummond
E o pernambucano Manuel Bandeira
E a canção maior do carioca Caetano Veloso

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra
Amar

Amar intransitivamente num transe fraterno
(Que vai dar na dor de amar sem remédio)
Essa farmácia espiritual que somos

Amar até o último mísero minuto zero
(Deus nos livre do fogo fátuo da paixão)
Com a leveza de uma reza que leva e não traz

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra: amar

(Pedro Ramúcio)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

CÁSSIA ACÚSTICA

No final de 2001 eu brincava um baralhinho com amigos quando uma emissora de Rádio anunciou a morte da Cássia Eller; era a noite de 29 de dezembro, vinte e uma horas mais ou menos quando ouvi, paralisado, a notícia. Abortei as cartas e fui pra casa. Foi uma bomba pra mim aquele anúncio, pois, alimentava até então o desejo secreto de ouvir Eller interpretando uma letra de canção minha. Além, claro, de já admirar sobremaneira todo o repertório dela e, antes de tudo, toda sua força como cantora. Das maiores, com certeza. Desde ali, durante alguns meses eu fiquei me devendo estes versos, que, tempos depois, o grande cantor e compositor (perguntem a Roberto Mendes e Paulinho Pedra Azul) da novíssima geração, Samuel de Abreu, musicou linda e comovidamente. Eis-nos:


Quando eu tiver a minha canção,
Ela jamais será cantada pela Cássia Eller.
Por que eu não fui poeta antes, então?
Antes de a Cássia partir, dezembro
Agora só me resta o dia amanhecendo
E poder ouvi-la nos versos de outro compositor,
Com ciúmes e inveja tão nobres quanto eu tecendo
A mesma trilha de um blues do Sergio Sampaio
E ousar sonhar isto será pelo menos um plágio.

Quando eu tiver a minha canção,
Ela jamais será ouvida pela Cássia Eller.
Por que eu não fui cantor antes, então?
Depois que a Cássia partiu, janeiro
Só me restou essa tristeza o ano inteiro
E tecer a sílaba de um samba sem paixão nem dor,
Cantar minha rima pobre como um falso desespero.
Cássia fartou-se da vida feito da música, Vandré
Mas deixou sua voz gravada na mais perfeita acústica.

(Pedro Ramúcio/Samuel de Abreu)

FUTEGRAFIA


Soneto encomiástico dos cinquenta anos do Maracanã (1950-2000), terçando sobre os dois maiores jogadores que se eternizaram nesse templo do futebol, Pelé e Garrincha.

Gol é música muda, melodia
Que vemos da arquibancada, encantados.
Futebol! Épico de alva grafia,
Com rimas lidas nos passes traçados.

Posso ouvir, com olhos esverdeados
Que tenho, o que adia a minha miopia:
Bola, a que o jogador, pelos gramados,
firula entre os pés, tecer cantoria.

Ah! Dá na gente vontade de dançar
Quando se lembra dos gols do Pelé
E daqueles que ele inventou de errar.

Cada drible do Garrincha eu sei que é
Um acorde de canção a ressoar
Em nosso ouvido colado em seu pé.

Dedicado a Nelson Rodrigues, que via futebol
com os olhos da imaginação.

(Pedro Ramúcio)

sábado, 22 de agosto de 2009

SANDÁLIAS PARA A POETA ADÉLIA PRADO ANDAR DESCALÇA

Algum tempo atrás li uma entrevista da Adélia Prado, em que ela, divinamente mineira, declarou, entre outras iluminuras, mais ou menos isto aqui: "poesia é coisa muito boa de fazer." Tal afirmação me fisgou na alma, e como um peixe-poeta tentei sobreviver nos versos abaixo, já que escrever pra mim é sempre uma espécie de morte. João Cabral de Melo Neto dizia, por exemplo, que saía do seu poema como quem lava as mãos. Eis-me pescado de vez:

_ Coisa boa de fazer é poesia!
Boa para quem não faz.
Se não for um Salmo: uma heresia.
Não componho mais.

Suponha-se a rima feliz,
E a dor de quem a cria?
Psiu! Palavras são armas vis,
Disse-me certa vez uma cotovia.

Feito o verso, no limbo jaz.
Escrita, está torta a ortografia.
Portanto não componho mais,
De mim mais nenhuma algaravia.

Poema selecionado para o livro do 1º Concurso Digital
de Poesias da internet brasileira, do site TALENTOS.

(Pedro Ramúcio)

ESTUDANDO TOM ZÉ




Tom Zé é um zero a direita,
Seja feita sua multiplicação.

Tom Zé é o terceiro olho nu,
Seja feita nossa desmiopização.

Dedicado a Décio Pignatari, ao cubo.

(Pedro Ramúcio)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

FAGNATISMO

Homenagem ao artista que já foi meu (e de muita gente) ídolo maior na música brasileira. Pena que ele perdeu um pouquinho (que para um gênio sempre é muito) o rumo por que começou um dia, lá atrás, sua então irretocável carreira. Esse cearense fazia chover no sertão...

Palco, um parto de morte pra viver mais
Quando vem e canta o cândido Raimundo.
Parece com um lúcido coma profundo
Ou ver o cosmo ancorado em nenhum cais.

Quando vem e canta o cândido Raimundo
Ficam mudos os passarinhos nos quintais,
Nos verdes mares calam-se os temporais,
As ciganas não falam do Astro Vagabundo.

Mas nem os cem milhões de versos que eu fizer,
Além da minh'alma a sonhar perdidamente,
Serão capazes de traduzir o que sente

O coração alado de um mortal qualquer,
Quando ouve sangrar no ar o canto do Fagner.
Eu de mim não sei de outro igual tão diferente!

Dedicado a Robério Coelho e Roberto Lima.

(Pedro Ramúcio)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

TELÊ FUTEBOL CLUBE

Eis o pontapé inicial deste blog (batizado de CANTO GERAL DO BRASIL) destinado a cultuar em verso & prosa a arte e a cultura dos que fazem cultura e arte no Brasil. Um blog criado para cantar os cantos de todos os cantos do Brasil. Começo por meu Mestre Telê Santana, ídolo e exemplo de caráter e dedicação profissional.

"Uma ode do poeta valadarense Pedro Ramúcio
ao mestre Telê Santana, mentor de grandes conquistas
para o futebol brasileiro." (Ney Santana, do Diário do Rio Doce)


O pontapé inicial deste poema
é para falar de um ponta -
o Fio de Esperança -
tricolor dos pés ao coração:
Telê Santana.
__Ontem te vi na televisão, Mestre.
Quase chorei, chorei quase triste.
Mas como ficar triste entre tantas
lembranças que se guardam na alma?
Fiquei foi emocionado demais,
como sempre ficava (e fico),

vendo
os times que você, Mestre, treinava.
Os jogadores transformavam-se,
sob seu comando, todos em craques.
E os craques transformavam-se
em deuses

de jogar futebol na Terra.
Sob seu comando, até os beques
viravam craques.
Porque seus times só jogavam
para frente,
altivos e valentes todos,
concertistas do espetáculo único
do gol.
Sei bem que sob seu comando
a Seleção Brasileira não ganhou
duas Copas do Mundo:
em 1982, na Espanha - derramada
a lágrima na derrota eterna;
em 1986, no México - adiada
a sua hora do triunfo final.
Mas, assim, Mestre Telê, podemos
admirar você,
não porque seus times sempre
ganharam tudo
e, sim, porque seus times deram
tudo sempre ao futebol.
Nenhuma glória é feita só de vitórias,
como nem toda medalha é coberta
só de honras.
E a sua glória, como só a dos imortais,
não caberia num julgamento humano:
fracassado ou vitorioso?
Você, o evangelista do futebol,
que escreveu cartas de São Paulo aos
romanos
e hispânicos;

vitorioso ou fracassado?
você, novo Gandhi do esporte, a defender
a não-violência entre atletas e torcidas
até a morte.
O pontapé final deste poema é,
justamente, para lembrar
que nenhum jogador sob seu comando
parava uma jogada a pontapés.
Sob seu comando, Fio de Esperança,
eram verdes os cartões
que os jogadores recebiam,
inscrito neles:
glória ao Mestre Telê,
assim na grama como nas arquibancadas.

A prorrogação deste poema, Mestre,
é para contar que apesar de sua ausência
no comando técnico de um time de futebol,
é eterna a frequência do seu nome
na memória dos apaixonados pelo
futebol-arte.
O futebol como um quadro que Picasso
assinaria embaixo,
o futebol como uma canção que Beethoven
assinaria embaixo,
o futebol como um poema que Camões
assinaria embaixo,
o futebol como um sonho que eu tive
e virou poesia.

(Pedro Ramúcio)