sexta-feira, 28 de agosto de 2009

AMARES QUE VÊM PRA BEM












Um dia voltei de um passeio à Bahia (você nunca foi à Bahia? Então, vá!), mais precisamente Santo Amaro de Roberto Mendes, e trouxe incubado em mim este poema:

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra
Amar

Amar a Sagrada Escritura de Guimarães Rosa
Amar o verso de Machado
e de Bilac, a prosa

Amar a rima íntima de Jorge Portugal
Lágrima que derramo sem sal
Tiro com que me firo e viro imortal

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra
Amar

Amar cada pessoa do Pessoa
(Toda a gentil epifania de Bethânia)
Que ressoa uma religião tão boa em mim

Amar de toda maneira o mineiro Drummond
E o pernambucano Manuel Bandeira
E a canção maior do carioca Caetano Veloso

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra
Amar

Amar intransitivamente num transe fraterno
(Que vai dar na dor de amar sem remédio)
Essa farmácia espiritual que somos

Amar até o último mísero minuto zero
(Deus nos livre do fogo fátuo da paixão)
Com a leveza de uma reza que leva e não traz

Amar
Verso que eu escrevo com uma palavra só
Só uma palavra: amar

(Pedro Ramúcio)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

CÁSSIA ACÚSTICA

No final de 2001 eu brincava um baralhinho com amigos quando uma emissora de Rádio anunciou a morte da Cássia Eller; era a noite de 29 de dezembro, vinte e uma horas mais ou menos quando ouvi, paralisado, a notícia. Abortei as cartas e fui pra casa. Foi uma bomba pra mim aquele anúncio, pois, alimentava até então o desejo secreto de ouvir Eller interpretando uma letra de canção minha. Além, claro, de já admirar sobremaneira todo o repertório dela e, antes de tudo, toda sua força como cantora. Das maiores, com certeza. Desde ali, durante alguns meses eu fiquei me devendo estes versos, que, tempos depois, o grande cantor e compositor (perguntem a Roberto Mendes e Paulinho Pedra Azul) da novíssima geração, Samuel de Abreu, musicou linda e comovidamente. Eis-nos:


Quando eu tiver a minha canção,
Ela jamais será cantada pela Cássia Eller.
Por que eu não fui poeta antes, então?
Antes de a Cássia partir, dezembro
Agora só me resta o dia amanhecendo
E poder ouvi-la nos versos de outro compositor,
Com ciúmes e inveja tão nobres quanto eu tecendo
A mesma trilha de um blues do Sergio Sampaio
E ousar sonhar isto será pelo menos um plágio.

Quando eu tiver a minha canção,
Ela jamais será ouvida pela Cássia Eller.
Por que eu não fui cantor antes, então?
Depois que a Cássia partiu, janeiro
Só me restou essa tristeza o ano inteiro
E tecer a sílaba de um samba sem paixão nem dor,
Cantar minha rima pobre como um falso desespero.
Cássia fartou-se da vida feito da música, Vandré
Mas deixou sua voz gravada na mais perfeita acústica.

(Pedro Ramúcio/Samuel de Abreu)

FUTEGRAFIA


Soneto encomiástico dos cinquenta anos do Maracanã (1950-2000), terçando sobre os dois maiores jogadores que se eternizaram nesse templo do futebol, Pelé e Garrincha.

Gol é música muda, melodia
Que vemos da arquibancada, encantados.
Futebol! Épico de alva grafia,
Com rimas lidas nos passes traçados.

Posso ouvir, com olhos esverdeados
Que tenho, o que adia a minha miopia:
Bola, a que o jogador, pelos gramados,
firula entre os pés, tecer cantoria.

Ah! Dá na gente vontade de dançar
Quando se lembra dos gols do Pelé
E daqueles que ele inventou de errar.

Cada drible do Garrincha eu sei que é
Um acorde de canção a ressoar
Em nosso ouvido colado em seu pé.

Dedicado a Nelson Rodrigues, que via futebol
com os olhos da imaginação.

(Pedro Ramúcio)

sábado, 22 de agosto de 2009

SANDÁLIAS PARA A POETA ADÉLIA PRADO ANDAR DESCALÇA

Algum tempo atrás li uma entrevista da Adélia Prado, em que ela, divinamente mineira, declarou, entre outras iluminuras, mais ou menos isto aqui: "poesia é coisa muito boa de fazer." Tal afirmação me fisgou na alma, e como um peixe-poeta tentei sobreviver nos versos abaixo, já que escrever pra mim é sempre uma espécie de morte. João Cabral de Melo Neto dizia, por exemplo, que saía do seu poema como quem lava as mãos. Eis-me pescado de vez:

_ Coisa boa de fazer é poesia!
Boa para quem não faz.
Se não for um Salmo: uma heresia.
Não componho mais.

Suponha-se a rima feliz,
E a dor de quem a cria?
Psiu! Palavras são armas vis,
Disse-me certa vez uma cotovia.

Feito o verso, no limbo jaz.
Escrita, está torta a ortografia.
Portanto não componho mais,
De mim mais nenhuma algaravia.

Poema selecionado para o livro do 1º Concurso Digital
de Poesias da internet brasileira, do site TALENTOS.

(Pedro Ramúcio)

ESTUDANDO TOM ZÉ




Tom Zé é um zero a direita,
Seja feita sua multiplicação.

Tom Zé é o terceiro olho nu,
Seja feita nossa desmiopização.

Dedicado a Décio Pignatari, ao cubo.

(Pedro Ramúcio)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

FAGNATISMO

Homenagem ao artista que já foi meu (e de muita gente) ídolo maior na música brasileira. Pena que ele perdeu um pouquinho (que para um gênio sempre é muito) o rumo por que começou um dia, lá atrás, sua então irretocável carreira. Esse cearense fazia chover no sertão...

Palco, um parto de morte pra viver mais
Quando vem e canta o cândido Raimundo.
Parece com um lúcido coma profundo
Ou ver o cosmo ancorado em nenhum cais.

Quando vem e canta o cândido Raimundo
Ficam mudos os passarinhos nos quintais,
Nos verdes mares calam-se os temporais,
As ciganas não falam do Astro Vagabundo.

Mas nem os cem milhões de versos que eu fizer,
Além da minh'alma a sonhar perdidamente,
Serão capazes de traduzir o que sente

O coração alado de um mortal qualquer,
Quando ouve sangrar no ar o canto do Fagner.
Eu de mim não sei de outro igual tão diferente!

Dedicado a Robério Coelho e Roberto Lima.

(Pedro Ramúcio)