sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ADONIRAN

São Paulo, túmulo do samba? Respondo com Adoniran Barbosa. Precisa mais? Oh! Musa desvairada, delirai.

O que eu faço, se me desfaço toda vez que ouço

Gal cantar o “Trem das Onze”?

O que eu arranjo, se me desarranjo cada vez que manjo

Elis mandar “Tiro ao Álvaro”?


Ah! Adoniran João Rubinato Barbosa,

Nunca vi tanta poesia como em sua prosa!


Ou maior prova de carinho

Que fazer uma aliança

Com a corda Mi do cavaquinho!


(Dedicado a Renato Braz e Samuel de Abreu, paulistas da gema)


(Pedro Ramúcio)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"ONZE" ANOS COM E SEM JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Em 9 de outubro de 1999 a poezia brazileira perdeu um de seus mestres mundiais de Literatura, João Cabral de Melo Neto.

Em outubro passado, eu postara aqui no Canto Geral uma singela homenagem a esse pernambucano do mundo, após ler, em artigo do craque Alécio Cunha (que faleceria um mês depois, em decorrência de um AVC, na flor dos seus tenros 40 anos de idade), a pouca repercussão, principalmente no Brasil, dos dez anos da morte do autor de "Morte e Vida Severina".
Hoje reposto o poema com que tento, à minha mineira maneira, reverenciar o grande artista do verso que exercia o fazer poético pelo rigor e pela razão, abolida inspiração.

E eu não poderia deixar de dizer da tristeza que também sinto com a perda do grande artesão da palavra que foi Alécio Cunha (com quem eu estreitava laços via e-mails, torcendo virasse amizade; num, ele me respondeu sobre este mesmo poema, seco feito o poeta de "Uma Faca Só Lâmina": "poema bem elaborado").

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Com suor, essa mão
Espalha o pó e o pólen
Do poema inda virgem:
Zangada inspiração.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa rima no chão,
Rama que não podem
Desbastar das mãos do Homem,
É rio sem contramão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse rio em questão
Sobe na estiagem.
Pro tempo, qual barragem?
Saudade é inundação.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse oceano-sertão
Precisa de drenagem.
Confusa sua paisagem,
Sol e chuva se lavam.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa poça, alçapão.
Líquida hospedagem.
Hóspede sem bagagem:
Só o ladrado de um cão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse poço, prisão.
Lodo por toda margem.
Nódoa na mútua imagem:
Os pixels da ilusão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse fosso, fusão.
Fósforo pós-fuligem.
Fóssil sem data; origem.
Cisterna em combustão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse brejo, vulcão.
Sertanejos que fingem.
Violeiros que tingem
De silêncio a canção.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa gota, erosão.
Água de árida nuvem,
Neve de leve friagem.
Fiado o fio do algodão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.


(Dedicado a Alécio Cunha, in memoriam)

(Pedro Ramúcio)