domingo, 28 de fevereiro de 2010

LISBON INVISITED (1970-2010)

Há uma só cidade natal para cada um. Eu acho que tenho duas: a que me viu nascer, Governador Valadares/MG, Brasil; e a que me pariu sem eu ter nascido lá, Lisboa, Portugal, Europa. Sinto isso em minha alma, como quem sente que tem um irmão-gêmeo mesmo sem o ter: órfão de irmandade.

Sei versos que eu só poderia escrever ao pisar em teu solo, Lisboa,
Com minhas mãos levantadas pro céu.
São versos salvos para sempre da ferrugem do papel, dizendo
De saudades
Que eu sinto de Portugal que de nenhum outro porto.
Em meu peito tanta estrada percorrida, cada mundo conhecido
E esquecido ou guardado num canto do coração.
E a falta de ver Lisboa, ler Lisboa no mapa da palma da minha mão.
Estar aos pés de Lisboa, ali me encontrar comigo
E com os "comigos de mim."
Dar passeios vespertinos pelas ruas de Lisboa e gozar
O tempo passando, na véspera.
Tudo vale mais na véspera, que é quando tudo e nada acontece.
Por isso vivemos de esperas e vésperas, de instante a instante.

Ao poisar os pés em teu solo, Lisboa,
Terei o transe eterno que só quem morre é que sabe ter.
Serei teu ilustre visitante aguardado sem nenhum convite.
Chegarei às pressas e cansado, da viagem e da volta.
E não sairei nunca mais daí, nem para dançar nos astros
Ou contar a outros povos que enfim Te descobri.
E serei benquisto entre todos...
Falaremos a mesma língua portuguesa, bem baixinho,
Para não despertar os vizinhos, estrangeiros europeus.
Ninguém mais precisará saber ou sequer desconfiará
Que estaremos juntos e felizes juntos.

"Ah, todo cais é uma saudade de pedra!"
(Álvaro de Campos)


(Pedro Ramúcio)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

UMA CIGARRA CHAMADA SIMONE

Ontem, face a face com uma quarta-feira de cinzas ( eu que feito uma formiga preguiçosa passei a fábula do carnaval em casa descansando), bateu uma saudade que me transportou até minha infância perdida - o verdadeiro Paraíso de Milton -, quando eu ouvia muitas canções na voz de Simone, e soprou-me este canto alegre nem triste:

Sim, seu nome é música
Sim, sua voz é única
Sim, sua beleza é múltipla

Sim, amigo é casa
Sim, traga a lenha
Sim, ateie fé ao meu coração
Com o fogo brando da canção
Breve piano da paixão

Sim, cidade é cais
Sim, peixe tem sede
De ar, de respirar azuis
Longe de anzóis e redes
Sim, deixe-me ser caçador de mim
Laçar meu medo à sua fuga

Sim, desesperar jamais
Sim, saudade é cais
Sim, começaria tudo outra vez
Inda que o melhor amor não fosse sempre um ex

Sim, homens serão meninos
Sob o sol ou o luar do sertão
Sim, mulheres darão meninos
Sob o sol ou o luar do sertão
Sim, meninos verão a verdade
Sobre o cais de cada cidade
(Itamarandiba ou Salvador...)

Sim, os dias vestem saudades vivas
Sim, promessas servem sangue e pudins
Sim, secretas juras cegam
Mais que mil cometas de Lóveres Latins

Sim, pensar é melhor do que nada
Sim, o amor não pode ser migalhas
Sim, cantar é melhor do que tudo

E um dia sei que estarei mudo
Mas szi szi szi szi szi szi szi

(Pedro Ramúcio)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

DISCURSO

Poema em homenagem à minha mãe, que, do alto dos seus um metro e meio de puro coração, ensinou-me que o amor e a verdade são os maiores bens que uma pessoa de bem pode possuir, antes e acima de quaisquer outros bens.

Peguei meu violão
Tirei as cordas
Pra fazer canção
Peguei meu corpo
Tirei a roupa
Pra fazer discurso
Peguei minha casa
Tirei as portas
Pra fazer amigos
Peguei meus versos
Tirei as rimas
Pra fazer sonetos
Peguei meu peito
Tirei os espinhos
Pra fazer morada
Peguei minhas cartas
Tirei as lágrimas
Pra fazer fogueira
Peguei meus livros
Tirei as páginas
Pra fazer rebanho
Peguei meu paul cézzane
Tirei a grife
Pra fazer leilão
Peguei meu rifle
Tirei as balas
Pra fazer revolução
Peguei meu carro
Tirei as rodas
Pra fazer rali
Peguei minha coragem
Tirei os medos
Pra fazer política
Peguei meu calendário
Tirei os dias
Pra fazer comércio
Peguei minha mãe
Tirei as asas
Pra desfazer uma santa
Peguei sua mão
Botei na minha
Pra refazer o mundo

Dedicado também a D. Fiíca (in memoriam, na minha memória eternamente), D. Almerinda (in memoriam, sempre na minha memória), D. Lia (in memoriam, na minha memória para sempre), D. Rute (mãe do jornalista e poeta Roberto Lima), D. Niraci (que fica brava quando a chamo de Niverci), D. Jú (mãe do cantor e compositor Samuel de Abreu), D. Olinda (mãe do empresário de moda e artista das canções - um dia essa ordem ainda se inverte - Yta Mário de Olinda) e D. Zuca (a sogra mais feliz do mundo - rsrs - mãe da musa-esposa-poeta) e a todas as grandes mães do mundo (visto que não me seria possível citar todas que eu admiro)...

(Pedro Ramúcio)