terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O VERTICAL ALÉCIO

Homenagem ao artesão das palavras, amante das artes, poeta e jornalista mineiro Alécio Cunha, com quem eu estava estreitando laços, por e-mail, torcendo muito virasse amizade. Não deu tempo... enfim ficará sempre a lembrança.

Então o poeta não estará mais presente?
Eternamente esteve. Esteve: do verbo estará.
Eu não fui amigo dele, sequer o conheci.
Sequer trocamos um aperto de mãos, de olhares.
Mas cuido que ele era para sempre meu amigo:
Escrevi poemas só para a resenha dele.
Agora livre posso rasgá-los, menos este.
Este eu escrevo para a resenha nele,
Para o bate-papo de dois amigos desconhecidos,
Desconversando sobre poesia e escultura,
Desescrevendo sobre arte e arquitetura,
Despalavrando sobre pura pilhéria e risos puros,
Em fim de tarde, num bar da capital mineira.

Eu que aprendi nos livros a inventar histórias,
Agora invento esta verdade verdadeira e vã:
Éramos amigos de infância, Alécio e eu.
Estudamos e nos formamos no mesmo colégio.
Fomos pra faculdade juntos juntar nossas letras:
Líricas entorpecidas, lúdicas nostalgias do futuro.
Lacunas preenchidas com um bom Rimbaud,
Tristezas passageiras num verso de Drummond.
Agora fiquei órfão obliteralmente de sua poesia,
Estou desterrado de suas matérias e crônicas,
Límpidas de pensamento, claras de ideais.
Quais os rumos que o jornalismo tomará,
Sem sua serenidade severa, para não destoar
De tudo o que ele escreveu em nome da beleza?
Com que prazer eu abria diariamente o Hojemdia,
Para esmiuçar seus escritos, para dissecar sua dor,
Exposta propositadamente em forma de liturgia.
Eu sofria (e sofro) o gozo ziguezagueante
De suas rimas escondidas dentro de cada linha
Que ele costurava sem agulha nem barbante,
De cada metáfora embrulhada nas notícias,
Nas manchetes que ele musicava de silêncio e sol.

Os jornais trarão a vaga notícia de sua morte.
Eu, de antemão, reparo todos os redatores:
Sua morte não seria um acontecimento publicável.
Porque acontece que Alécio Cunha ficou eterno.
Perenemente presente em tudo o que armou de belo.

Triste mas feliz, assino este poema inacabado:
Pois que só acaba o que não produziu segredos.

(Pedro Ramúcio)

4 comentários:

  1. Belo texto, Ramúcio.
    Não o conheci, mas sei por amigos comuns que Alécio era um grande cara.
    Que a terra lhe seja leve!

    Abs,

    Roberto.

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  2. Obrigado, Roberto. Sua sensibilidade torna tudo mais leve.

    Leve sempre um abraço meu,

    Ramúcio.

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  3. Obrigado, Ramúcio, pela visita e palavras gentis. Somos do ofício da poesia arquitetos do vento, herdeiros da boa palavra. Então, avante com nossa luta. Grande abraço.

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  4. Fernando, que bom tê-lo aqui. Parafraseando o próprio Pessoa: tudo o que diz respeito a Fernando Pessoa, não me é indiferente. E você e Roberto Lima são elos dele, e ele, de vocês. Por falar no poeta português, o Roberto Mendes, que se tornou meu amigo de infância, também é fascinadíssimo por ele, de quem musicou um poema gravado por Bethânia.

    Com admiração antiga,

    Ramúcio.

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