terça-feira, 15 de setembro de 2009

DEZ ANOS COM E SEM JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Citada uma declaração de João Cabral numa postagem anterior, lembro este poema que comecei quando o grande bardo pernambucano partira da lida vertical. Em outubro de 1999 eu apenas escrevi a primeira estrofezinha e a guardei numa gaveta. Agora lendo o grande jornalista mineiro Alécio Cunha citar em seu magnífico blog Ler, Reler, Viver... que a data de dez anos sem Cabral estaria passando sem as merecidas homenagens, principalmente no Brasil, resolvi dar cabo à empreitada empreendida lá atrás. Avante, então:

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Com suor, essa mão
Espalha o pó e o pólen
Do poema inda virgem:
Zangada inspiração.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa rima no chão,
Rama que não podem
Desbastar das mãos do Homem,
É um rio sem contramão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse rio em questão
Sobe na estiagem.
Pro tempo, qual barragem?
Saudade é inundação.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse oceano-sertão
Precisa de drenagem.
Confusa sua paisagem,
Sol e chuva se lavam.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa poça, alçapão.
Líquida hospedagem.
Hóspede sem plumagem:
Só o ladrado de um cão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse poço, prisão.
Lodo por toda margem.
Nódoa na mútua imagem:
Os pixels da ilusão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse fosso, fusão.
Fósforo pós-fuligem.
Fóssil sem data; origem.
Cisterna em combustão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Esse brejo, vulcão.
Sertanejos que fingem.
Violeiros que tingem
De silêncio a canção.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

Essa gota, erosão.
Água de árida nuvem,
Neve de leve friagem.
Fiado o fio do algodão.

Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.

(Pedro Ramúcio)

2 comentários:

  1. Ramúcio, sempre uma alegria te ver (leia-se ler?).
    Precisamos nos encontrar pra outra pizza, desta vez sem a correria dos compromissos pré-agendados em GV.
    Quando volta à cidade, estar com você será prioridade.
    Abração e amizade do
    Roberto Lima.

    ResponderExcluir
  2. Adorei seu blog, pois ele fala de artistas usando poesia e paixão. Parabéns, meu amor.

    ResponderExcluir