
Ler Shakespeare é preciso.
Ser Shakespeare não é preciso...
(Pedro Ramúcio)
Pequeno quintal de quimeras, apenas um jardim de lembranças e homenagens, que só sabe ser cultivado a várias mãos. Sê sempre benvindo a essa Pasárgada perdida, a essa Terra do Benvirá.
Então o poeta não estará mais presente?
Eternamente esteve. Esteve: do verbo estará.
Eu não fui amigo dele, sequer o conheci.
Sequer trocamos um aperto de mãos, de olhares.
Mas cuido que ele era para sempre meu amigo:
Escrevi poemas só para a resenha dele.
Agora livre posso rasgá-los, menos este.
Este eu escrevo para a resenha nele,
Para o bate-papo de dois amigos desconhecidos,
Desconversando sobre poesia e escultura,
Desescrevendo sobre arte e arquitetura,
Despalavrando sobre pura pilhéria e risos puros,
Em fim de tarde, num bar da capital mineira.
Eu que aprendi nos livros a inventar histórias,
Agora invento esta verdade verdadeira e vã:
Éramos amigos de infância, Alécio e eu.
Estudamos e nos formamos no mesmo colégio.
Fomos pra faculdade juntos juntar nossas letras:
Líricas entorpecidas, lúdicas nostalgias do futuro.
Lacunas preenchidas com um bom Rimbaud,
Tristezas passageiras num verso de Drummond.
Agora fiquei órfão obliteralmente de sua poesia,
Estou desterrado de suas matérias e crônicas,
Límpidas de pensamento, claras de ideais.
Quais os rumos que o jornalismo tomará,
Sem sua serenidade severa, para não destoar
De tudo o que ele escreveu em nome da beleza?
Com que prazer eu abria diariamente o Hojemdia,
Para esmiuçar seus escritos, para dissecar sua dor,
Exposta propositadamente em forma de liturgia.
Eu sofria (e sofro) o gozo ziguezagueante
De suas rimas escondidas dentro de cada linha
Que ele costurava sem agulha nem barbante,
De cada metáfora embrulhada nas notícias,
Nas manchetes que ele musicava de silêncio e sol.
Os jornais trarão a vaga notícia de sua morte.
Eu, de antemão, reparo todos os redatores:
Sua morte não seria um acontecimento publicável.
Porque acontece que Alécio Cunha ficou eterno.
Perenemente presente em tudo o que armou de belo.
Triste mas feliz, assino este poema inacabado:
Pois que só acaba o que não produziu segredos.
(Pedro Ramúcio)