
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Com suor, essa mão
Espalha o pó e o pólen
Do poema inda virgem:
Zangada inspiração.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Essa rima no chão,
Rama que não podem
Desbastar das mãos do Homem,
É um rio sem contramão.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Esse rio em questão
Sobe na estiagem.
Pro tempo, qual barragem?
Saudade é inundação.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Esse oceano-sertão
Precisa de drenagem.
Confusa sua paisagem,
Sol e chuva se lavam.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Essa poça, alçapão.
Líquida hospedagem.
Hóspede sem plumagem:
Só o ladrado de um cão.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Esse poço, prisão.
Lodo por toda margem.
Nódoa na mútua imagem:
Os pixels da ilusão.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Esse fosso, fusão.
Fósforo pós-fuligem.
Fóssil sem data; origem.
Cisterna em combustão.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Esse brejo, vulcão.
Sertanejos que fingem.
Violeiros que tingem
De silêncio a canção.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
Essa gota, erosão.
Água de árida nuvem,
Neve de leve friagem.
Fiado o fio do algodão.
Com pesar, sem João.
Apesar de não sem.
O que vai, vai e vem.
O que há, há e não.
(Pedro Ramúcio)