
Enquanto, no outro quarto, o rapaz da loja de móveis
Monta o guarda-roupa novo que abrigará velhas indumentárias,
Eu penso num poema de Mallarmé.
Será que o rapaz que monta o velho guarda-roupa
Já pensou num poema de Mallarmé, ou não?
"Daqui a pouco chega a musa-esposa,
Dona do guarda-móveis em meu peito,"
Ela que sonhava com um guarda-roupa novinho
Ficará feliz de saber que a loja de móveis usados
(As lojas só vendem móveis usados; novos, só a fábrica)
Já mandara o montador de móveis que agora, no outro quarto,
Brinca de quebra-cabeça, juntando as peças numeradas
Que formarão um velho móvel chamado guarda-roupa,
Enquanto eu lembro dum poema de Stéphane Mallarmé.
Enquanto eu nem sei se o rapaz que monta o guarda-roupa
No outro quarto, ele que acaba de virar poema,
Num quebra-cabeça feito de palavras que eu brinquei de montar,
Já pensou, algum dia, nalgum verso de Mallarmé.
(Pedro Ramúcio/AL-Chaer)