sábado, 26 de junho de 2010

DESRENATO BRAZ

Há artistas que são divisores de água, que partem o tempo ao meio, que estabelecem novas fronteiras (de paz!), que movem moinhos futuros, que descontroem muros de concreto mas erguem pontes imaginárias de luz (verdadeiros arcos-de-triunfo da humanidade), que são antenas da raça. Com sua religiosidade pacífica, pregando a não-violência, Gandhi foi um desses artistas. Com seu claro canto iluminador, Renato Braz pertence à espécie.

Quem faz assim com a voz

Põe é tudo ao contrário

O poeta salvo no calvário

O rio vai nascer na foz


Quem canta assim des’jeito

Põe é tudo arrevirado

O amor sem um pecado

O humano sem defeito


Quem lança um canto assim

Põe é tudo ponta-cabeça

O imponderável aconteça

O impossível tenha fim


Quem desfia assim uma canção

Põe é tudo detrás pra frente

O antigo de moda novamente

O moderno em liquidação


Quem traz assim o sol em si

Põe é tudo fora do trilho

O poente reluzente brilho

O breu se oriente aqui


(Dedicado ao músico valadarense Marcelo Novaes,
quem primeiro me disse de Renato Braz;
ao percussionista biquense Zé Bré, com quem simpatizei
à primeira vista: ele num programa do Boldrin,
eu em casa 'dando milho aos pombos';
ao poeta Roberto Lima, pra que a lista fique infinita...)

(Pedro Ramúcio)

sábado, 19 de junho de 2010

PONTO E VÍRGULA

Sabe aquelas vezes que você escreve em puro estado de febre, e, vãs, as palavras vão brotando involuntárias de suas mãos ávidas por descansar do dédalo que habita o teclado do computador? Estes estranhos e aninhados versos nasceram-me assim, baixados do céu ou levantados do chão, não sei ao certo, só sei que essa febre quando passa dá de novo...

Quanto tempo casto gasto pra fazer o verso

Que só faço quando lasso enlaço a lua?

Quantas rimas primas principio do precipício

Mas antes do fio o poema já chegou ao fim?

Quantos rostos toscos ponho face a face

Com o espelho do Evangelho e nasce um beijo?

Quantas palavras gastas no cio e no silêncio

Mas quando balbucio crio uma orgia de almas?

Quantas histórias desbotadas pela tinta da memória

Repinto num pedaço de papel de mim poeta?

Quantos músculos exaustos gesticulo e pulo

Por cima do mais alto muro que não cerca a poesia?

Quantos livros em branco arranco as páginas

E preencho com romances dignos de Dostoiévski?

Quantos títulos vitalícios invento sem intento

De me tornar autor de clássicos de qualquer espécie?

Quantas estrofes esquizofrênicas saltam dos meus dedos

Longos longe de eu ser uma Cecília Meireles?

Quantos cantos eternos, efêmeros ou meros

Alexandrinos miro sem a mira de um Dante ou Homero?

Quantos decassílabos esmiúço amiúde e jamais

Pude comparar-me um centímetro com Vitor Hugo?

Quantos heterônimos reais recriei ao meu redor

Fingindo para mim mesmo que eu paria Pessoas?

Paro aqui estas interrogações quase infinitas

E aborto o poema, ou repontuo-o de vãs exclamativas?


Quem me dera agora eu tivesse uma viola pra cantar!


(Dedicado a José Saramago,

que nos deixou dia 18 de junho último)


(Pedro Ramúcio)

sábado, 12 de junho de 2010

JANELA À LUA


Este pobre rabiscador de quimeras rende-se hoje no dia dos namorados todos os dias à sua musa-esposa-poeta-cantora numa cúmplice homenagem de amor e paixão.

Entre teu corpo e o meu
Foi posto o amor
Nenhum dos dois enlouqueceu
Ante o ciúme enlouquecedor...

Entre tua palma e a minha
Foi posta a paixão
Uma tão grande e a outra pequenininha
Nenhuma menor que o maior coração...

Entre teu beijo e o nosso
Foi posto o desejo
Viver de amor meu amor é tudo o que posso
Ancorar-me em teu corpo, único porto que vejo...

Entre nosso abraço e a lua
Foi posta a madrugada
Desço teu ventre e encontro, destrancada e nua
A janela da mulher que já é minha eterna namorada...

(Ramúcio Pedro)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

FUTEGRAFIA













Em dias de Copa do Mundo, já que o mundo todo estará ligado no evento, posto aqui um sonetinho terçando sobre o esporte das multidões.

Gol é música muda, melodia
Que vemos da arquibancada, encantados.
Futebol! Épico de alva grafia,
Com rimas lidas nos passes trançados.

Posso ouvir, com olhos esverdeados
Que tenho, o que adia minha miopia:
Bola, a que o jogador, pelos gramados,
Firula entre os pés, tecer cantoria.

Ah! Dá na gente vontade de dançar
Quando se lembra dos gols do Pelé
E daqueles que ele marcou ao errar.

Cada drible do Garrincha eu sei que é
Um acorde de canção a ressoar
Em nosso ouvido colado em seu pé.


(Dedicado a Nelson Rodrigues, que via futebol
com os olhos da imaginação)


(Pedro Ramúcio)